Pesquisa revela que 60% dos professores de educação especial já utilizam IA para desenvolver planos de ensino, representando um salto de 18 pontos percentuais em apenas um ano
A Inteligência Artificial está redefinindo os processos fundamentais de suporte a estudantes com deficiência, marcando um ponto de inflexão histórico na trajetória da educação especial. Segundo levantamento divulgado em novembro de 2025, cerca de 60% dos professores de educação especial utilizam ferramentas de IA para desenvolver Planos de Ensino Individualizados (PEIs), um crescimento expressivo que evidencia a adoção acelerada dessas tecnologias.
Da burocracia à sala de aula: IA devolve tempo ao educador
O principal motor dessa transformação é a economia de tempo. Professores que utilizam ferramentas de IA semanalmente podem economizar até seis semanas de trabalho ao longo de um ano letivo — tempo anteriormente consumido por tarefas burocráticas que agora pode ser dedicado à instrução direta e ao cuidado com o aluno.
A aplicação da IA no processo de elaboração de PEIs é diversificada: 31% dos educadores a utilizam para identificar tendências de progresso, 30% para resumir conteúdo de planos extensos, 28% para selecionar acomodações específicas e 21% para redigir partes narrativas dos documentos. Um grupo de 15% dos professores já confia à tecnologia a redação integral do plano, número que dobrou em relação ao ano anterior.
Personalização em escala: materiais didáticos adaptados para cada aluno
Além da automação administrativa, a IA está operacionalizando o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) de forma prática, com impacto direto no processo de alfabetização. Professores reportam utilizar ferramentas de simplificação textual para gerar instantaneamente múltiplas versões de um mesmo conteúdo, adaptadas para diferentes níveis de desenvolvimento da leitura e escrita. No contexto da alfabetização, por exemplo, é possível criar versões graduadas de uma mesma história — desde textos com vocabulário controlado e frases simples para crianças em fase inicial de decodificação, até versões mais complexas para leitores fluentes — permitindo que todos os alunos de uma turma inclusiva trabalhem com o mesmo conteúdo literário, respeitando o ritmo individual de cada um no processo de letramento.
A tecnologia também facilita a criação de materiais multissensoriais, gerando visualizações concretas de conceitos abstratos, organizadores prévios e listas de verificação que ajudam alunos com disfunção executiva a estruturar seu pensamento. Um estudo brasileiro apresentado no Simpósio Brasileiro de Informática na Educação (SBIE 2025) demonstrou ganhos sustentados em engajamento e compreensão conceitual ao utilizar IA para adaptar atividades de lógica proposicional para estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Inovação brasileira: Escribo conecta tecnologia e inclusão
No cenário nacional, startups como a Escribo, nascida na Johns Hopkins University e no Porto Digital de Recife, têm desempenhado papel fundamental ao apoiar escolas em todo o Brasil na implementação de soluções baseadas em IA para a educação inclusiva. A empresa representa o esforço de adaptação dessas tecnologias globais à realidade educacional e linguística brasileira.
“Estamos testemunhando uma mudança de paradigma na educação especial. A IA não substitui o educador, mas amplifica sua capacidade de personalizar o ensino em escala, algo que era impraticável há poucos anos”, afirma Dr. Américo Amorim, pesquisador afiliado da Universidade de Nova Iorque. “No entanto, é crucial que essa adoção seja acompanhada de formação adequada dos professores e políticas robustas de proteção de dados. A tecnologia só cumpre sua promessa inclusiva quando está a serviço da humanização do ensino, não de sua automação indiscriminada.”
Desafios persistem: infraestrutura e privacidade
Apesar dos avanços, pesquisas alertam para desafios críticos. Questões de privacidade de dados preocupam especialistas. Muitos educadores inserem dados sensíveis de alunos em ferramentas gratuitas que não possuem contratos de proteção, violando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Há consenso sobre a necessidade absoluta de supervisão humana: a IA deve ser vista como ferramenta de rascunho, nunca como autoridade final.
Aceitação das famílias e preocupações dos alunos
Curiosamente, 64% dos pais de alunos com PEIs e 63% dos próprios estudantes consideram o uso de IA na elaboração desses planos uma “boa ideia”, refletindo a frustração com a burocracia lenta. No entanto, 57% dos alunos com planos individualizados sentem que o uso de IA em sala de aula os faz sentir “menos conectados aos seus professores”, sugerindo um paradoxo: a tecnologia é bem-vinda nos bastidores, mas sua presença na interação pedagógica direta pode estar erodindo o vínculo humano fundamental.
Perspectivas para o futuro
Especialistas recomendam que secretarias de educação estabeleçam urgentemente políticas de uso aceitável de IA, proibindo a inserção de dados identificáveis em ferramentas públicas e investindo em soluções corporativas com garantia de privacidade. A formação docente deve capacitar professores a serem “editores críticos” da IA, entendendo suas limitações e detectando vieses.
A IA na educação especial não é uma panaceia, mas se governada com ética e intencionalidade pedagógica, pode ser a alavanca mais poderosa para tornar a inclusão uma realidade prática, e não apenas uma promessa legal.
